segunda-feira, 13 de maio de 2013

Reforma Tributária: as falsas expectativas.

Reforma Tributária: as falsas expectativas.
Por: Ronaldo Marton

Reforma Tributária - As falsas expectativas

A sociedade brasileira é incessantemente agitada pelos “meios de comunicação”, no sentido de que é urgente e imprescindível a realização de algumas reformas, sem as quais o país não poderá encontrar o seu “grande destino”. Entre as reformas mais cotadas pelos fazedores da opinião pública encontram-se a reforma previdenciária e a tributária.
A idéia de reforma sempre é atrativa aos que se sentem insatisfeitos com as condições atuais. Considerando-se que a insatisfação é comum entre os homens, o chamamento às reformas sempre encontra auditório.
Há, assim, um clima reformista; essas reformas são pregadas há muitas décadas. Por outro lado, em face de que a grande maioria das pessoas parece apoiar as reformas, é curioso indagar a razão pela qual tais reformas não são feitas.
A análise serena da questão pode evidenciar que o vocábulo “reforma” passou a integrar o imaginário coletivo como palavra mágica, capaz de resolver os problemas econômicos e sociais dos indivíduos e dos grupos a que pertencem.
Com efeito, o reformismo crônico que assola a mente das pessoas, tangidas pelos órgãos de comunicação, nem sempre deixa transparecer os aspectos cruciais envolvidos. Se há algo que deva ser reformado, é preciso uma reflexão segura para que se constate o que deve ser reformado, como deve ser reformado, e porque deve ser reformado.


I - As razões do descontentamento com a legislação e a política tributárias atuais.

O descontentamento da população, relativamente à questão tributária no Brasil, traduz o sentimento difuso de que a carga tributária é excessivamente alta, existindo grande quantidade de tributos, regidos por legislação confusa e caótica, abrigando injustiças fiscais de toda ordem, enquanto os governos desperdiçam o dinheiro público. Essa situação, muitas vezes, serve de desculpa para a sonegação tributária.
Vejamos cada um desses pontos.

1. A elevada carga tributária.

A sensação de que a carga tributária é elevada parece ser perene: a História registra que o pagador de tributos sempre reclamou daquilo que lhe tomam. Constata-se que a tributação e o desenvolvimento das instituições políticas guardam íntima correlação; o princípio de que não pode haver tributação sem o consentimento dos representantes daqueles que vão pagar está na gênese do movimento constitucionalista.
Tendo em vista que ninguém gosta de pagar tributos, é difícil estabelecer o nível de imposição tributária que pudesse ser considerado satisfatório por toda a população. Alguns estudos fazem comparação entre a carga tributária e o PIB (Produto Interno Bruto), para apontarem os países em que essa relação é maior. Esse tipo de estudo leva a conclusões precipitadas, pois, entre outras considerações de caráter metodológico, é necessário que se verifique o conceito de “tributo” utilizado em cada uma das pesquisas realizadas, a forma de distribuição da tributação entre os diversos segmentos sociais, e o nível de serviços e obras públicas prestados pelo Estado.

2. A quantidade de tributos.

A grande quantidade de tributos exacerba os ânimos dos contribuintes, sendo generalizada a suposição de que o Brasil é o país onde existem mais tributos. Essa suposição não se encontra comprovada, até mesmo porque é difícil contá-los, tanto em nosso País como no estrangeiro. Lembre-se de que existem várias espécies de tributos, a desafiar os critérios de classificação: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, contribuição de intervenção no domínio econômico, etc. A questão não é uma peculiaridade brasileira, e a ilusão de que as regras tributárias nos demais países são muito melhores para o contribuinte desfaz-se para quem vai morar lá fora. O problema complica-se também pelo fato de que algumas vezes o tributo pode apresentar-se camuflado, dependendo do sistema jurídico ou da estrutura econômica do país. Note-se também que comparar os ordenamentos tributários de diversos países, usando apenas o critério da quantidade de tributos existentes em cada um deles, conduz a resultados distorcidos, pois os tributos variam em complexidade e em intensidade arrecadatória. Por exemplo, normalmente as taxas não são tão altas, quando comparadas com os impostos, e o procedimento de cobrança costuma ser bem mais simples.

3. A multiplicidade e complexidade da legislação.

A existência de imensa quantidade de normas tributárias é um dos fatores que geram o descontentamento da população com o sistema tributário brasileiro. Deve-se salientar que nossa organização federativa acarreta a existência de normas federais, estaduais (e do Distrito Federal) e municipais. Cada um dos entes federados possui competência tributária própria, exercendo-a mediante a expedição de leis, que são complementadas por atos infra-legais (regulamentos, portarias, instruções normativas, etc). Esse variado leque de normas, a atazanar a vida das pessoas, freqüentemente consiste em regras mal-escritas e efêmeras. A fugacidade das normas é um dos aspectos desfavoráveis da legislação tributária, e tem como causa, de um lado, a contínua pressão de grupos sociais (em busca de menor carga tributária), e de outro a ação do Fisco (em busca de novas fontes de renda ou da majoração de alíquotas dos tributos já existentes). A tudo isso deve-se acrescentar que, em decorrência de sua grande quantidade e de sua redação nem sempre clara, a correta interpretação da norma torna-se um problema permanente para o devedor do tributo.

4. A injustiça tributária.

Não passa despercebida aos contribuintes a injustiça das leis tributárias no Brasil. Além da tão decantada regressividade (segundo a qual os mais pobres estariam pagando, em termos relativos, mais tributos do que os mais ricos pagam), diversas distorções foram alocadas no sistema, em razão de políticas tributárias equivocadas. Entre tais distorções podem ser apontadas aquelas relativas ao Imposto de Renda, onde se constata que a tributação incidente sobre salários é superior à incidente sobre juros. Essa realidade revela que no Brasil os princípios sociais que, em todo o mundo, deram fundamentação teórica e política para o advento de um novo imposto, que deveria incidir sobre a renda (do capital), foram totalmente abandonados.

5. O mau uso dos dinheiros públicos.

A destinação do produto da arrecadação é também apontada pelos contribuintes como inadequada e insultuosa. Com efeito, há a percepção de que o poder público desperdiça os recursos que arrecada, sendo que muitos desses recursos são utilizados para a construção de obras suntuosas, em atendimento de reduzida parcela da população, enquanto gastos desenfreados são realizados com serviços e obras superfaturados, sem licitação ou com licitação fraudulenta. As freqüentes descobertas a respeito de corrupção são colocadas em evidência, enquanto certos órgãos de comunicação, talvez não sem inconfessáveis motivos, buscam associar o serviço público com ineficiência e corrupção. No que concerne à corrupção, raras vezes é lembrado que o corruptor esta sempre fora do serviço público. Os meios de comunicação procuram despertar a ira do contribuinte, relatando esses fatos, algumas vezes de forma exagerada, aos quais são acrescentadas as remunerações e as aposentadorias pagas aos servidores públicos, tidos como os grandes responsáveis pela situação em que o País se encontra.

6. As obrigações de “fazer” e de “não-fazer”.

As denominadas “obrigações tributárias acessórias” constituem importante fator de desânimo por parte dos devedores de tributo. Essas obrigações, às quais Paulo de Barros Carvalho prefere a expressão “deveres instrumentais”, correspondem as exigências de “fazer” ou de “não-fazer”, e se traduzem por comportamentos exigíveis do sujeito passivo, em benefício da Administração Tributária. No elenco desses “deveres instrumentais” podem ser incluídos a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal, conforme as especificações trazidas no Regulamento do tributo, a proibição de trafegar com mercadorias desacompanhadas das referidas notas fiscais, a exigência de elaboração de declarações, e a manutenção de escrituração em livros nos padrões determinados pela legislação tributária, com a obediência de critérios contábeis próprios. A complexidade da escrituração e da contabilidade fiscal exigida pelas normas vigentes, e a obrigatoriedade de serem preenchidos formulários e entregues declarações comportam elevados custos para as empresas, tanto para as pequenas como para as grandes empresas. A manutenção de departamento fiscal no organograma da atividade empresarial, com a contratação de profissionais especializados, implicam custos que são suportados por toda a coletividade. É verdade que os recentes desenvolvimentos tecnológicos, representados pelos computadores e pela Internet, tendem a facilitar esse trabalho.

7. Ausência de adequada dosimetria na imposição de penalidades.

As excessivas penalidades impostas aos devedores tributários que venham a ser pilhados em comportamentos ilícitos é uma das razões da insatisfação com a situação atual. O descumprimento de qualquer regra tributária submete o infrator a diversas penalidades, tais como multas e apreensão de mercadorias. Essas penalidades nem sempre são proporcionais à infração cometida.
O não-pagamento do tributo no vencimento enseja a aplicação de juros e multas moratórias em montantes desestimulantes e agressivos. O Fisco justifica-se sob a alegação de que os juros a serem cobrados do devedor devem corresponder àqueles pagos pelo Poder Público na busca de financiamento de suas dívidas.

8. Complacência com os sonegadores.

Por paradoxal que possa parecer, o contribuinte cumpridor de seus deveres tributários inquieta-se com a complacência da Administração Tributária, que não combate eficazmente a sonegação de impostos, pois tem a percepção de que o encargo tributário que lhe cabe seria menor se todos os contribuintes pagassem sua parte. O elevado índice de inadimplência e de sonegação introduz um fator de desequilíbrio na economia das empresas, afetando a competitividade.
No entanto, a sonegação tributária está visceralmente ligada à nossa cultura, o sonegador é visto como uma pessoa esperta, que conseguiu driblar o Fisco; os aspectos anti-sociais da conduta do sonegador não são devidamente enfatizados, nem são relacionados com a incidência tributária mais elevada sobre aqueles que pagam. O próprio consumidor tem a sua parcela de responsabilidade na existência da sonegação tributária, pois aceita comprar serviços e mercadorias sem a apresentação da nota fiscal, e realiza pagamentos “sem recibo”, para ocultar do Fisco a ocorrência do fato gerador do tributo.
Há, igualmente, aqueles que supõe que um combate mais intenso à sonegação não traria redução da carga tributária que incide sobre os contribuintes não-sonegadores, pois o Governo aumentaria seus gastos à medida que a arrecadação aumentasse.
Revela-se como sub-produto dos elevados encargos tributários a denominada “economia informal”, eufemismo com o qual se designa a sonegação institucionalizada: empresas são criadas sem registro e sem escrituração ou, quando devidamente registradas perante os órgãos competentes, realizam parte de seus negócios à margem da escrituração e da documentação fiscal, em permanente estado de clandestinidade ou semi- clandestinidade.
A sonegação praticada por alguns acaba estimulando a sonegação de outros, pois há dificuldade de competição entre empresas que cumprem criteriosamente seu dever fiscal e aquelas que sonegam tributos. Assim o efeito retro-alimenta a causa.
O contribuinte que pretende pautar a sua conduta nos termos da lei vê-se forçado, em razão da concorrência, a deixar de pagar os tributos devidos, para igualar-se às condições do concorrente. Isto revela um dos efeitos deletérios da sonegação tributária: a contaminação do não-sonegador.

9. Falta de visibilidade da aplicação dos dinheiros públicos.

É comum o contribuinte reclamar que “não vejo onde é aplicado o meu dinheiro”.
Embora seja verdade de que é mais fácil ver o que falta fazer do que o que foi feito, essa queixa decorre da constatação da ineficiência do serviço público, que muitas vezes funciona em precárias condições.
Não obstante a existência de algumas tentativas de realização do chamado “orçamento participativo”, a quase totalidade da população vive alheia à elaboração da lei orçamentária (onde o imenso peso político dos segmentos sociais se faz presente, mediante seus grupos de pressão), desconhecendo os critérios de aplicação do dinheiro arrecadado. Sem negar que boa parte dos recursos orçamentários são utilizados em finalidades socialmente injustas, ignorando-se prioridades que a justiça social impõe, a falta de acompanhamento da elaboração e execução da lei orçamentária por parte dos cidadãos é uma das causas dos desvios na aplicação dos dinheiros públicos.
Deve ser destacado que a formulação clássica dos direitos do contribuinte, inserta em nossa Constituição, está eivada de individualismo compreensível nos séculos passados, mas anacrônica, revelando-se insuficiente nos tempos atuais. Não obstante a questão da destinação do produto da arrecadação não se compreender na órbita do Direito Tributário, sendo relevante tema de Direito Financeiro, o aperfeiçoamento da legislação deve ser direcionado no sentido de se atribuir ao contribuinte (principalmente àquele que seja cidadão, em sentido estrito do Direito Político) o direito de ação para exigir a correta aplicação dos recursos públicos.

10. A contrapartida do pagamento dos impostos.

O descontentamento de muitos contribuintes pode ser expresso na frase: “não recebo nada em troca do imposto que pago”. Essa expressão revela evidente desconhecimento de que a dívida de imposto não está vinculada a qualquer ação estatal em relação ao contribuinte. O devedor de impostos deve pagá-los em virtude de manifestar capacidade contributiva, razão pela qual espera-se dele que contribua para as despesas estatais. O tributo representa uma forma de transferência de renda dentro da sociedade, e é uma falsa expectativa esperar uma recompensa pessoal pelo pagamento do imposto (além daquela decorrente de poder contar com serviços públicos gerais de melhor qualidade). O imposto não deve ser confundido com preço público, pois este corresponde à compra de bem ou serviço, dentro de relação contratual, enquanto o primeiro é obrigação ex-lege, sendo irrelevante a vontade do devedor para o surgimento da obrigação.

11. A falta de capacidade contributiva.

Há quem manifeste seu inconformismo com a legislação tributária, alegando, em socorro de sua inadimplência, a impossibilidade econômica do próprio pagamento, sob a afirmação de que se tivesse que cumprir com todas as suas obrigações fiscais iria à falência. Esse argumento entra em contundência com o princípio da capacidade contributiva, eleito pela Constituição como um dos parâmetros a nortear a atividade tributante do Estado. Se o legislador definiu fatos geradores, impondo-lhes bases de cálculo ou alíquotas incompatíveis com o exercício da atividade econômica, restou ferida a capacidade contributiva.
Por outro lado, se procedente o argumento, teríamos que supor sonegadoras todas as empresas que sobrevivem.

12. A responsabilidade pelo cálculo e recolhimento do tributo.

A maior parte dos impostos no Brasil são cobrados mediante a utilização do denominado lançamento por homologação. 
Essa circunstância é grandemente responsável pela antipatia que é nutrida ao nosso ordenamento tributário, sendo a razão pela qual muitos aguardam a reforma tributária.
Há contribuintes que deixam de pagar corretamente suas obrigações tributárias por encontrarem dificuldade em conhecer a lei aplicável, e realizar os cálculos devidos. Infelizmente, o ônus da interpretação da lei tributária em nosso País cabe ao sujeito passivo, e esse não é um risco insignificante. Não obstante o Código Tributário Nacional estabelecer, no art. 142, que o lançamento é ato privativo da Administração Tributária, na prática o que se verifica é a utilização abusiva do lançamento por homologação, que impõe ao sujeito passivo a responsabilidade pelo dimensionamento da dívida tributária, cabendo ao devedor do tributo ou ao responsável pelo seu recolhimento, descobrir a legislação aplicável, verificar sua atualização, determinar a matéria tributável, a alíquota, a base de cálculo, o prazo para pagamento, realizando por sua conta e risco os cálculos necessários.
É verdade que existe a possibilidade de ser realizada a denominada “consulta”, mas essa não é plenamente acessível a todos, pois até mesmo para se realizar consulta já se exige um certo conhecimento da matéria tributária.
Em anos recentes a legislação tem procurado minorar o problema; um exemplo é a adoção do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.

II – A reforma tributária esperada.

A exposição das várias causas do descontentamento da população diante do nosso ordenamento tributário revela as expectativas daquilo que cada um sonha, relativamente à reforma tributária desejada.
Não é necessário grandes conhecimentos de tributação, para se constatar que a revolta da sociedade está ligada a aspectos políticos, jurídicos e administrativos vinculados à questão tributária, ao lado de generalizada desinformação sobre a natureza dos tributos e sua destinação.
A relação entre a arrecadação tributária e o Produto Interno Bruto é conseqüência de opção política, exercida em função dos elevados gastos públicos (dos quais substancial parcela diz respeito ao pagamento dos juros), e está relacionada com a concepção que se adote sobre as finalidades e funções do Estado. A legislação tributária tem caráter instrumental, visa à implementação da política fiscal adotada pelo Governo, a qual integra a política econômica. Portanto, o descontentamento com o ordenamento jurídico-tributário, em grande parte, representa uma percepção falsa do problema real. Sem negar que a legislação merece aprimoramentos, é preciso ressaltar que, se os contribuintes estão insatisfeitos com a política tributária, é essa que deve ser alterada.
Os aspectos jurídicos, em parte mesclados com os aspectos políticos, envolvem a má-redação das leis e sua grande multiplicidade, bem como suas constantes alterações. A multiplicidade e as freqüentes alterações legislativas exteriorizam, de um lado, a busca desenfreada de novas possibilidades de aumentar a arrecadação, e de outro, a reação de segmentos sociais e econômicos, fazendo valer sua força política (quer diante do Poder Executivo, quer diante do Poder Legislativo).
Os aspectos administrativos correspondem à forma de se cobrar os impostos, em sua maioria cobrados por lançamento “por homologação”, o que onera demasiadamente as empresas, e fazem sempre presente o risco de a Fiscalização vir a autuá-las em decorrência de pagamento incorreto.
A população também se revela desinformada sobre o que deve esperar na aplicação dos recursos públicos, pois em um país de grande desigualdade social e econômica como o Brasil, os recursos cobrados das camadas populacionais economicamente mais abastadas serão inevitavelmente canalizados para serviços e obras que atendam aos mais carentes. Portanto, os principais recebedores dos benefícios estatais são os não-pagadores de impostos, ou aqueles que pagam menos (em termos absolutos).

III – Os instrumentos jurídicos para a realização da “Reforma Tributária” esperada.

A maior parte das expectativas da população brasileira, a propósito da “reforma tributária”, poderia ser realizada sem qualquer alteração no texto da Constituição, bastando para isso a expedição de leis, que alterassem as leis hoje vigentes, conjugada com adoção de política tributária diversa.

1. A estrutura do sistema tributário nacional na Constituição.

A Constituição Federal, no Capítulo referente ao “sistema tributário nacional”, apresenta a estrutura do ordenamento tributário, definindo as competências tributárias das esferas autônomas de governo, as limitações ao poder de tributar, e cuida da repartição das receitas tributárias. O exercício dessas competências tributárias, por parte dos entes federados, é efetivado mediante a edição de atos legislativos, de caráter infraconstitucional.
O art. 145 da Constituição atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência para a instituição de impostos, taxas e contribuições de melhoria.
No que concerne aos impostos, a Constituição delimita a competência impositiva, conforme se verifica nos art. 153, 154, 155 e 156.
Assim, a União pode cobrar os impostos previstos em sua competência ordinária, estipulada no art. 153 da Constituição Federal, a saber: sobre a importação de produtos estrangeiros; sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; sobre a renda e proventos de qualquer natureza; sobre produtos industrializados; sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; sobre propriedade territorial rural; e sobre grandes fortunas.
A União é detentora da denominada “competência residual”, que lhe permite instituir impostos não previstos na relação acima elencada “desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”, como expressamente está consignado no art. 154-I da própria Constituição.
O inciso II do art. 154 da Constituição atribui à União a competência dita extraordinária, que lhe permite instituir “na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação”.
A União é também detentora da competência especial referida pelo art. 3o da Emenda Constitucional no 37, de 12 de junho de 2002, (referente à CPMF – Contribuição Provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira), da competência para instituir empréstimos compulsórios (art. 148), da competência para instituir “contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas” (art. 149). A Constituição também faz referência à instituição de contribuições destinadas ao custeio da seguridade social (art. 195).
Quanto aos Estados e ao Distrito Federal, podem instituir os impostos previstos no art. 155 da Constituição, a saber: sobre a transmissão, causa mortis, de quaisquer bens ou direitos; sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação; e sobre a propriedade de veículos automotores.
Aos Municípios compete, conforme estipula o art. 156 da Constituição, os impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana; sobre a transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão dos direitos à sua aquisição; e sobre serviços de qualquer natureza (não compreendidos na competência estadual).
Cabe ressaltar que tanto os Estados, como o Distrito Federal e os Municípios podem instituir “contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistema de previdência e assistência social”, conforme estipula o parágrafo único do art. 149 da Constituição.
A Emenda Constitucional nº 39, de 2002, permitiu aos Municípios e o Distrito Federal instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública.

2. O exercício das competências tributárias.

Em decorrência do princípio da estrita legalidade da tributação, insculpido no art.150, I, da Constituição Federal, é vedado “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
A lei é quem institui o tributo, dentro da competência tributária outorgada pela Constituição. O legislador institui o tributo em conformidade com os critérios políticos que venha a adotar.
O “sistema tributário nacional” tem sua estrutura básica fixada na Constituição, cabendo aos legisladores desenvolver o ordenamento tributário que julgarem conveniente, dentre os muitos ordenamentos possíveis. Portanto, desde que respeitados os parâmetros constitucionais, tanto as normas gerais de Direito Tributário, como a legislação específica de cada tributo, decorrem de opções políticas dos legisladores. Existe a possibilidade teórica de construção de ordenamentos tributários os mais variados, dentro das balizas constitucionais, ao sabor dos interesses das políticas econômicas e tributárias, conduzidas pela ideologia adotada pelo Governo.
Por esse motivo, é fácil perceber que profundas modificações em nosso ordenamento tributário poderiam ser realizadas pela simples alteração da legislação tributária vigente, sem qualquer alteração do texto da Constituição. Com efeito, somente são necessárias alterações constitucionais quando se pretende alterar o elenco das competências tributárias, a destinação do produto da arrecadação ou algum dos princípios constitucionais tributários.
É verdade que o ICMS, possui uma estrutura complexa, regido pelas variadas legislações estaduais, e exige tratamento diferenciado. Não obstante, a vontade política dos legisladores, quer da União (por meio de lei complementar), quer dos legisladores em cada Estado, seria suficiente para introduzir alteração nas respectivas legislações, que viessem, pelo menos parcialmente, ao encontro das expectativas dos contribuintes e dos responsáveis pelo recolhimento desse tributo.

IV - A Proposta de Emenda à Constituição nº 41, de 2003, relativamente à “reforma tributária” que agita o Congresso Nacional.


1. A questão financeira (“reforma fiscal”).

A simples leitura do texto da PEC nº 41, de 2003, revela que a tão propalada “reforma tributária” gira, principalmente, em torno de problemas fiscais e financeiros. É, portanto, basicamente uma “reforma fiscal”. Os problemas fiscais e financeiros dizem respeito ao equilíbrio orçamentário e à destinação do produto da arrecadação tributária.
O impasse político que polemiza a tramitação dessa PEC, e a argumentação suscitada, referem-se à discussão sobre qual Fisco perde e qual Fisco ganha em cada um dos aspectos da reforma. Outro tema de discórdia refere-se ao enfraquecimento político dos Estados (e, em via de conseqüência, da estrutura federativa), em decorrência da vedação da “guerra fiscal”, com a “federalização” da legislação do ICMS.
Ao cidadão comum passa despercebido que a maior parte de suas pretensões, relativamente à questão tributária no Brasil, não deverão ser atendidas pela decantada “reforma tributária”.
Na verdade, o tema central da PEC nº 41, de 2003, é a “federalização” do ICMS, e alguns problemas correlatos (como, por exemplo, a questão da tributação “no destino” ou “na origem”).
O próprio Poder Executivo da União reconhece que a “reforma” não pretende diminuir a arrecadação tributária, constando expressamente da Exposição de Motivos da referida PEC que:

Não se pode olvidar também que o sistema tributário vigente sedimentou um nível de disponibilidade de receita para os entes federativos, o que torna inconveniente realizar uma reforma que reduza os níveis de arrecadação da União, dos Estados ou dos Municípios. Proceder à ruptura desse sistema poderia significar grandes transtornos à sociedade, inclusive pondo em risco a prestação dos serviços públicos.
Revela-se aí o desafio de mudar o modelo sem causar reduções nas receitas disponíveis e tampouco elevar a carga tributária total do País.

2. A questão tributária (“reforma tributária”).

Em síntese, os aspectos tributários da PEC nº 41, de 2003, são:
a) facilita a instituição do imposto sobre grandes fortunas, suprimindo a exigência de lei complementar;
b) “passa” da União para os Estados o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, tornando-o progressivo, mas a “regulação” (?!) será feita por lei complementar, proibida norma estadual;
c) O ICMS terá regulamento único em todo o território nacional, editado por órgão colegiado, as alíquotas serão fixadas pelo Senado Federal, as alíquotas internas serão as mesmas em todo o País (no máximo cinco alíquotas), e serão uniformizadas por mercadoria, bem ou serviço, ficando vedado qualquer incentivo fiscal, sendo que o imposto não incidirá sobre mercadorias e serviços destinados ao exterior;
d) o imposto sobre transmissão causa mortis e doação será progressivo, e terá alíquotas definidas em lei complementar;
e) o imposto municipal intervivos poderá ser progressivo em razão do valor do imóvel e poderá ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel;
f) torna permanente a CPMF, prorrogando a lei já em vigor.
Como se observa, a “reforma tributária” consiste em facilitar a instituição de mais um tributo (imposto sobre as “grandes fortunas”), tornar permanente a CPMF (contribuição sobre movimentação financeira), tornar progressivo (e, portanto, aumentar) o imposto sobre transmissão causa mortis e doação, permitir que seja progressivo (e, portanto, maior) o imposto municipal sobre a transmissão intervivos, e em modificação do ICMS que acarretará o aumento desse imposto.
A “federalização” do ICMS trará alguns benefícios do ponto de vista da simplificação da legislação tributária, pois passará a haver uma só legislação para todo o País, relativamente a esse imposto. Hoje cada Estado (e o Distrito Federal) possui a sua.
Como conseqüência da unificação da legislação, a PEC 41, de 2003, prevê a existência de apenas cinco alíquotas para o ICMS, e que seriam iguais em todo o território nacional. A uniformização das alíquotas, embora traga alguma simplificação do ponto de vista contábil, poderá acarretar aumento da tributação, já que, ao serem disciplinadas as novas alíquotas, as alíquotas atuais serão alteradas “para cima”, pois não se quer perder arrecadação. É verdade que em alguns casos específicos poderá vir a ser adotada alíquota menor do que a atualmente vigente; no entanto, globalmente considerada, a carga tributária não deverá diminuir.
Além disso, a abolição das isenções e dos incentivos hoje existentes representa aumento de tributação.
Alguns setores econômicos pretendem ver as suas reivindicações atendidas, no sentido de menor oneração tributária de suas atividades; essa pretensão somente será atingida caso haja oneração de outros setores, pois nenhum Fisco admite perder receita.
Apenas os exportadores terão diminuição da carga tributária. Nesse particular, a idéia dos mentores dessa reforma é que, desonerando-se tributariamente os produtos e serviços exportados, esses produtos e serviços serão mais competitivos no exterior e o Brasil poderá exportar mais e, em conseqüência, receber mais divisas estrangeiras, acalmando os credores externos. Com mais divisas estrangeiras no Banco Central, tranqüilizam-se os credores externos, pois o País poderá continuar realizando as remessas para pagamentos de juros, royalties e dividendos.
Tendo em vista que a carga tributária total não deverá ser diminuída, a menor oneração sobre os exportadores deverá ser compensada com maior oneração tributária sobre outros setores da economia. Em resumo: o contribuinte brasileiro pagará mais tributos, para que o consumidor estrangeiro pague menos pelas mercadorias brasileiras (é claro que as variações da taxa de câmbio poderão comprometer esse esquema; nessa hipótese, teríamos aumento de tributação sobre os residentes no País, sem aumento das exportações).

V- Conclusões.

Não adentrando na análise da caótica e irracional redação da PEC nº 41, de 2003, nem examinando seus dispositivos à luz da constitucionalidade e da técnica legislativa, podemos extrair algumas conclusões.
A análise acima apresentada demonstra que as expectativas da generalidade da população, a propósito do advento de reforma tributária que atenda às suas reclamações, será frustrada.
A carga tributária não será reduzida, ao contrário, deverá ser aumentada.
A quantidade de tributos existentes no País não será diminuída, ao contrário, será aumentada.
A legislação, de modo geral, continuará com a mesma complexidade hoje existente. Apenas a legislação referente ao ICMS deverá ser simplificada, em virtude da uniformização da legislação e da redução da quantidade de alíquotas.
A injustiça tributária permanecerá, pois não foram ampliados os poderes de combate à sonegação tributária. Outras injustiças tributárias, como a incidência mais gravosa do imposto de renda sobre salários do que sobre juros, não foram coibidas.
As obrigações tributárias ditas acessórias continuarão as mesmas, ressalvada a simplificação que venha a ser introduzida na legislação do ICMS.
Nenhuma referência foi feita sobre a dosimetria das penalidades.
Evidentemente, algumas das expectativas da população dificilmente poderiam ser cuidadas em reforma da Constituição, pois referem-se à política tributária, que depende da posição política de cada Governo. O mau uso dos dinheiros públicos, a complacência com os sonegadores, a subserviência em relação a setores economicamente poderosos, a utilização de alíquotas em desacordo com o princípio da capacidade contributiva e a demora na restituição do imposto indevidamente pago são exemplos de atitudes que exigem, para sua extirpação, mais do que uma simples alteração no texto da Constituição.

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